ARTIGO: A Constituição, John Lennon e Steve Tilston

 

Matheus Pacheco Franco Defensor Público
Matheus Pacheco Franco
Defensor Público

Após ler uma entrevista do cantor Steve Tilston, na qual narrava o receio de perder a sua habilidade de composição se alcançasse a fama, John Lennon, em 1971, logo depois da separação dos Beatles, escreveu-lhe uma carta.

 

Remetendo a correspondência à editora que publicou a entrevista, Lennon tentou tranquilizar seu colega de profissão ao dizer que o acúmulo de riqueza não muda o que realmente importa na vida.

 

A carta, entretanto, terminou nas mãos de um colecionador, somente tendo chegado ao seu destinatário em 2005.

 

No Brasil, depois de inúmeras mortes no período da ditadura militar, foi promulgada, em 1988, a Carta Da República, batizada de Constituição Cidadã, reconhecendo o povo brasileiro como titular dos direitos elencados em seus 250 artigos, muitos deles, infelizmente, ainda desconhecidos da maior parte da população.

 

Desde então, ficaram assegurados, entre outros, o direito ao voto, a liberdade de expressão e a proibição da censura.

 

Garantiu-se ainda o pagamento de benefício assistencial no valor de um salário mínimo para portadores de deficiência e idosos que não tenham condições de se manter (art. 203, inc. V).

 

Foi vedada a prisão civil por dívida (art. 5º, inc. LXVII), admitindo-se, atualmente, de forma excepcional, apenas aquela decorrente de inadimplemento de pensão alimentícia.

 

A todos, foi franqueado o acesso à justiça (art. 5º, inc. XXXV), conferindo à Defensoria Pública a função de prestar assistência jurídica integral e gratuita àqueles que não tenham recursos para contratar um advogado.

 

Como forma de facilitar o acesso à justiça, também foi prevista a criação de Juizados Especiais (art. 98, inc. I) para o julgamento de causas de menor complexidade, tendo a lei nº 9099/95, inclusive, dispensado a presença de advogado em ações de valor inferior a 20 salários mínimos.

 

É isso mesmo! Para ajuizar uma ação que se enquadre no parâmetro referido no parágrafo acima, basta o cidadão se dirigir ao Fórum, relatar contra quem, por qual motivo e o que se pede, que será o suficiente para ter o seu processo iniciado, audiência designada e, se preciso, um julgamento realizado por juiz, sem a necessidade de advogado ou defensor público.

 

Também entre as ações que dispensam o ajuizamento por advogado, é importante citar o Habeas Corpus, que justamente por tratar da liberdade do indivíduo, pode ser impetrado por qualquer pessoa que narre uma situação de possível constrangimento a esse importante direito, merecendo registro que, em 2015, foi recebido pelo Superior Tribunal de Justiça um Habeas Corpus escrito de próprio punho, por um preso, em aproximadamente um metro de papel higiênico.

 

Apesar de fazer referências a várias autoridades, deixou claro a nossa Constituição que todo poder emana do povo (art. 1º, parágrafo único), que o exerce tanto através de representantes eleitos, quanto de forma direta, mediante plebiscito, referendo ou iniciativa popular.

 

Em 1993, foi realizado o plebiscito para decidir a forma e o sistema de governo no país, tendo a maioria votado contra o retorno da monarquia e do parlamentarismo, optando pela continuidade da república presidencialista.

 

Já em 2005, foi realizado o referendo sobre o comércio de armas e munições, no qual foi decidido pela população que tal comércio não deveria ser proibido e, em 2010, após a iniciativa popular com a coleta de mais de 1,5 milhão de assinaturas, foi sancionada a conhecida lei da ficha limpa.

 

Na Lei Orgânica do Município de Aracaju, em sintonia com a Constituição Federal, também houve a previsão, em seu art. 104, da iniciativa popular como instrumento de participação direta, tendo a lei nº 3037, de 11 de setembro de 2002, traçado os requisitos para a apresentação da proposta de lei ou de veto de iniciativa popular na Câmara de Vereadores.

 

Atentos a essa possibilidade, após a sanção da lei nº 4727/2015, que elevou a tarifa de ônibus na capital sergipana de R$2,70 para R$3,10, diversos movimentos sociais iniciaram a coleta de assinaturas para levar à Câmara Municipal a proposta de veto popular, devolvendo aos nossos vereadores a possibilidade barrar o aumento da tarifa.

 

Independente do resultado dessa campanha, é possível afirmar que a apresentação de tal instrumento ao povo sergipano já é uma grande vitória.

 

Com efeito, de nada adianta ter um direito assegurado na lei se o titular desse direito dele não tem conhecimento, possuindo as Instituições Democráticas papel importante na conscientização popular.

 

Além disso, merece registro a tramitação, na Câmara dos Deputados, dos projetos de lei nº 6954/13, nº 7969/14 e nº 8010/14, de autoria, respectivamente, dos parlamentares Romário Faria, Onofre Agustini e Márcio Marinho, que pretendem incluir a disciplina de direito constitucional no currículo obrigatório dos ensinos fundamental e médio.

 

Sendo aprovada uma lei nesse sentido, daremos um relevante passo na orientação de direitos aos cidadãos, havendo a justa expectativa de que nossos representantes, em Brasília, tenham sensibilidade e confiram prioridade a tais projetos, afinal, assim como ocorreu com Tilston, a maioria dos brasileiros ainda não recebeu a Carta Constitucional que lhes foi escrita há aproximadamente 3 décadas.

 

Matheus Pacheco Franco – Defensor Público.

 

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