Quem tem medo da democracia direta? Os acontecimentos dos últimos dias, todas essas manifestações de ruas, passeatas, em alguns lugares acompanhados de saques e depredações, embora ainda não de todo compreensíveis, uma vez que pegaram no contrapé sociólogos e cientistas políticos, nem por isso estão infensos à reflexões.
Todavia, no tocante ao sistema político, as organizações partidárias e o sistema representativo, é fato que as agremiações partidárias, a maioria delas, não passam de agrupamentos de um dono, estabelecimento comercial, sem conteúdo ideológico de nenhum matiz, razão porque estão sendo duramente contestados nas manifestações, uma vez que produzem muito mais mal do que bem ao sistema democrático.
A reforma do sistema político, inclusive dos partidos, sua postergação pelo Congresso Nacional, haja vista que a antinomia entre a vontade geral e o interesse dos parlamentares, alguns deles profissionais da política, pouquíssimos representantes do interesse da sociedade, outros, a maioria, sequazes de estratos do poder econômico, é causa de instabilidade e certeza de corrupção.
Nesse sentido, instigada pelos movimentos da rua, os quais ameaçam soçobrar não apenas o seu governo, mas até mesmo as estruturas do regime democrático reconstruído às duras penas, a Presidenta Dilma, atual mandatária da nação, tendo em vista a previsão constitucional de realização de plebiscito ou reverendo, formas de democracia direta, para fazer face a inércia do congresso nacional que não quer de forma nenhuma que se realize uma reforma política, uma vez que derrocaria os nossos Parlamentos, em todas as esferas, como balcões de negócios, pondo fim as negociatas, se decidiu por convocar o povo para sugerir e legitimar as mudanças.
De fato, a proposta apresentada pela Presidenta Dilma não foi de um plebiscito popular para a aprovação de uma Constituinte exclusiva para a reforma política, o que na verdade foi dito é que se convocaria um plebiscito popular para que esse dissesse sobre a necessidade de convocação de uma Constituinte exclusiva para reforma política. É lógico que se tratando de uma consulta popular, do exercício da Democracia direta, com alias prevê a nossa Constituição Federal, necessariamente, os quesitos podem se referirem tanto a Constituinte propriamente dita com a necessidade e urgência de projeto de emenda a constituição nesse sentido.
Não obstante todos se dizerem a favor de uma reforma política, o fato é que a provocação da Presidente com a proposta de consulta direta à população sobre a necessidade da reforma causou alvoroço e contrariedades de todas aquelas forças conservadoras que desejam a reforma apenas no discurso, aqueles mesmos pescadores de águas turvas que estão a manipular a população e insuflando revoltas.
O constitucionalista alemã Carl Schmitt, que embora tenha servido ao Terceiro Reich, mas que nem por isso deixou de ser considerado um dos maiores pensadores de Teoria do Estado e do fenômeno da Constituição, estudado em toda boa faculdade de Direito e fonte de consulta de todo constitucionalista liberal ou marxista que se respeite, sobre a consulta popular e a democracia direta, no seu LEGALIDADE E LEGITIMIDADE, dentre muitas outras assertivas acerca da legitimidade da representação parlamentar, afirma que “a legitimidade plebiscitária é, na verdade, o único tipo de justificação pública que hodiernamente poderia ser considerada como válida e geral“.
De fato, diante da crise de representação política, quando as massas assomam às ruas intentando remodelação do modelo,seja no âmbito econômico, seja no âmbito político, diante da falência da representação, existindo instrumento constitucional que permite o exercício da democracia direta, nada impede que o mesmo seja utilizado para que prevaleça a vontade geral e amaine a virulência destruidora das massas.
A convocação de um plebiscito para uma consulta ao povo não quer dizer que se está deferindo ao povo o poder de, indiscriminadamente, produzir leis. Não é isso. A provocação é no sentido de o povo dizer sobre o seu interesse na reforma pretendida, a qual ficará a cargo de um corpo legislativo e nada impede que seja o próprio Congresso Nacional, só que uma vez instado a promover a reformar, uma vez que exigência categórica do povo.
Não se trata de usurpação de poderes e muito menos de insuflação do despotismo das massas. O que ocorre é que diante do grande tumulto, da inequívoca rebelião de descontentes, com ou sem causa, a Presidente pretende utilizar de instrumento democrático como uma saída para o grave impasse.
A propósito, sobre o temor de que a consulta as massas resulte na perda de poder e na supressão das mamatas e balcões de negócios em que se tornaram os parlamentos, revistemos trecho de discurso de Maximilien François Marie Isidore de Robespierre, o incorruptível, na Convenção, sobre desmandos de parlamentares:
“Estamos todos precisando de um pouco de grandeza d’alma, Somente os criminosos e as almas baixas temem de ver seus semelhantes lhes caírem ao lado, pois assim, não podendo mais se esconder no meio do bando de cúmplices ficam expostos à luz da verdade“
Não é em razão de suposta inconstitucionalidade ou impropriedade da consulta plebiscitária para a implementação da reforma política que as forças do regresso, os mercadores dos parlamentos e oportunistas estão a vociferar contra a proposta, até porque, repita-se a proposta não é de reforma política por plebiscito, o povo não poderá governar ou administrar e nem mesmo legislar, trata-se tão somente de consulta, baseada no “sim” ou “não”, para que a população autorize a reforma política, a sua amplitude e modelo, que poderá ocorrer, inclusive, por Constituinte exclusiva. Ao contrário, estão é a temer o fim de partidos sem propostas, o fim das legendas de donos ou de aluguel, o fim das mamatas e do compra e venda, o desmascaramento da empulhação.
Plebiscito para que o povo autorize a reforma política – quem tem medo da democracia direta? – Autor: MIGUEL DOS SANTOS CERQUEIRA, Defensor Público titular da Primeira Defensoria Pública do Estado de Sergipe, Coordenador do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos e Promoção da Inclusão Social da Defensoria Pública do Estado de Sergipe, possui formação a nível médio de Técnico em Contabilidade, E-MAIL: migueladvocate@folha.com.br