LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA E A MEDIDA CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS – A Lei 8.429/92 ou Lei de Improbidade Administrativa é um importante instrumento legal de moralização e honestidade na condução da coisa pública. Ela visa resguardar primordialmente o interesse público e valorizar o administrador honesto e o respeito aos valores republicanos no Estado Democrático de Direito. Segundo José dos Santos Carvalho Filho (FILHO, 2009, p. 1.011) “Ação de improbidade administrativa é aquela em que se pretende o reconhecimento judicial de condutas de improbidade na Administração, perpetradas por administradores públicos e terceiros, e a consequente aplicação de sanções legais, com o escopo de preservar o princípio da moralidade administrativa”.

 

Se houver meros indícios de cometimento de atos de improbidade administrativa, deve o magistrado de forma fundamentada receber a exordial acusatória. Isso porque se aplica na fase inicial desse procedimento o princípio do in dubio pro societate, tendo em vista que essa lei visa proteger o interesse público e a moralidade.

 

No caso concreto trazido ao Tribunal da Cidadania, um prefeito havia feito promoção pessoal em informes publicitários da prefeitura, conduta que se enquadraria, em tese, no comando da Lei 8.429/92. A defesa alegou ausência de justa causa para que se processasse a demanda. Todavia, o Tribunal Superior compreendeu que havia fortes indícios de prática de atos ímprobos e ordenou o recebimento da petição inicial. Nesse sentido é o AgRg no REsp 1.317.12-ES, STJ, 2ª Turma, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 7/3/2013.

 

O artigo 7º e seu parágrafo único da Lei 8.429/92 afirma o seguinte:

 

“Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.

 

Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito”.

 

Ao se realizar uma interpretação literal do dispositivo, percebe-se que só é cabível a medida cautelar de indisponibilidade de bens do infrator em caso de enriquecimento ilícito, previsto no artigo 9º e lesão ao erário, prevista no artigo 10.

 

As regras de hermenêutica indicam que a interpretação sistemática da lei é a mais arrazoada, aliado ao poder geral de cautela do magistrado. Apesar do silêncio do dispositivo, a melhor interpretação é a que oportuniza a indisponibilidade dos bens em caso de ofensa aos princípios legais, previstos no artigo 11 da Lei 8.429/92.

 

Dentre as sanções legais previstas para o agente que viole os princípios da administração pública, pode-se destacar o ressarcimento integral do dano, caso ele tenha existido e ainda o pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, conforme dispõe o artigo 12, inciso III, da Lei 8.429/92.

 

Desse modo, é possível afirmar que a medida cautelar de indisponibilidade de bens é cabível em qualquer uma das três modalidades de atos de improbidade administrativa para buscar a garantia do ressarcimento e a proteção do interesse público.

 

Ademais, caso o Ministério Público, ou a Procuradoria do órgão público lesado ingresse com uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa no juízo incompetente e requeira medida cautelar de indisponibilidade dos bens do réu, tal medida poderá ser decretada pelo juízo.

 

Isso se explica pelo fato de que ainda que o juízo seja incompetente, o que se busca com essa medida cautelar de indisponibilidade de bens é resguardar o interesse público e garantir o ressarcimento do suposto dano ao erário. Até mesmo para prevenir o perecimento do direito invocado ou a ocorrência de lesão grave e de difícil reparação ao patrimônio público. Dispõe o artigo 113, § 2º do Código de Processo Civil que “Artigo 113 A incompetência absoluta deve ser declarada de ofício e pode ser alegada, em qualquer tempo e grau de jurisdição, independentemente de exceção. § 2o Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competente”.

 

Dessa forma, essa decisão do juízo incompetente, que ao reconhecer sua incompetência, determina a remessa dos autos ao juízo competente, momento em que ordena a indisponibilidade dos bens e mantém a antecipação da tutela até que o novo juízo tome outras providências. Tal decisão acautelatória é amparada no poder geral de cautela do magistrado, nos termos dos artigos 798 e 799 do Código de Processo Civil e valerá até que o novo juízo se manifeste. No mais, essa decisão não ofende o artigo 113, § 2º do Código de Processo Civil.

 

Destaque-se ser possível que a medida cautelar de indisponibilidade de bens seja deferida pelo juízo a quo antes mesmo do recebimento da exordial da ação de improbidade administrativa.

 

Nesse ínterim, é cabível a concessão de liminar inaudita altera pars para a medida cautelar de indisponibilidade e sequestro de bens, se houver fundadas suspeitas de que o agente possa dissipá-los antes de reparar o dano ou o ato ímprobo. Isso é necessário a fim de assegurar o resultado útil e prático do processo, ou melhor, da tutela jurisdicional, qual seja, o ressarcimento ao erário.  

 

É de bom alvitre lembrar que a medida cautelar de indisponibilidade de bens não é uma sanção no sentido próprio do termo, mas sim uma medida de garantia que visa assegurar o ressarcimento ao erário.

 

Registre-se que o fato de ser bem de família não pode obstar a determinação judicial de indisponibilidade do mesmo, até porque a medida cautelar de indisponibilidade não implica em expropriação do bem, já que se trata de uma garantia.

 

O Princípio do Interesse Público e a garantia do ressarcimento ao erário possibilitam que a medida cautelar de indisponibilidade incida até mesmo quanto aos bens adquiridos antes da prática de atos ímprobos.

 

Tanto o Ministério Público, quanto a Procuradoria do órgão ao descrever na petição inicial o pedido de medida cautelar de indisponibilidade não precisa individualizar os bens do agente infrator. No entanto, essa individuação é exigida apenas para a concessão do sequestro de bens, conforme determina o artigo 16 da Lei 8.429/92, o qual se transcreve: “Artigo 16 Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do sequestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público”.

 

O fumus boni juris ou fumaça do bom direito e o periculum in mora ou perigo da demora são os dois requisitos exigidos para a concessão da tutela antecipada ou medida cautelar sumária, nos termos do artigo 789 do Código de Processo Civil. Ocorre que a medida cautelar de indisponibilidade de bens não se trata de uma tutela típica de urgência, mas sim de tutela de evidência. Disserta Fredie Didier (DIDIER, 2007, p. 308):

 

“A urgência é o perigo, que é uma situação fática que exige tratamento célere e enérgico… A evidência é uma situação processual em que determinados direitos se apresentam em juízo com mais facilidade do que outros… Esses direitos, cuja prova é mais fácil, são chamados de direitos evidentes, e por serem evidentes merece tratamento diferenciado. São exemplos… a ação cautelar, que exige a apuração do chamado fumus boni júris…”.

 

É bom ressaltar que o periculum in mora decorre do prejuízo ao patrimônio público causado pela prática do ato ímprobo, que atinge a sociedade civil como um todo. Portanto, o periculum in mora é presumido em favor da coletividade, pois o legislador dispensa sua comprovação nos termos do artigo 37, § 4º, da Constituição Federal.

 

Assim, basta a parte autora da ação de improbidade alegar o fumus boni juris, ou seja, a plausibilidade do direito invocado consistente no risco de dilapidação do patrimônio do agente, sem garantia de ressarcimento ao erário. Não é necessário explicitar o periculum in mora já que trata-se de requisito presumido pelo legislador.

 

Por fim, a Lei de Improbidade Administrativa buscou efetivar seus instrumentos normativos e afastou a necessidade de demonstrar o periculum in mora para a decretação da medida cautelar de indisponibilidade dos bens, baseado no poder geral de cautela do juiz, no princípio da moralidade e mais, protegeu o erário e resguardou o interesse público.

 

Autor: Marcos Vasconcelos Palmeira Cruz é bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes, graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Sergipe, Analista em Direito do Ministério do Público do Estado de Sergipe e pós graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade de Sergipe.

 

Fevereiro 2014.

 BIBLIOGRAFIA:

AgRg no REsp 1.317.127-ES. Disponível em www.stj.jus.br Acesso em 04 de novembro de 2013.

Código de Processo Civil Brasileiro. Disponível em www.planalto.gov.br Acesso em 04 de novembro de 2013.

Lei 8.429/92. Disponível em www.planalto.gov.br Acesso em 04 de novembro de 2013.

DIDIER Jr., Fredie, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Volume 2. Salvador: Editora Jus Podivm, 2007, p. 308.

FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 1.011.

 

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